Luaty Beirão surpreendido ao ser cumprimentado por ex-chefe da "secreta"
O ativista luso-angolano Luaty Beirão, que fez parte
do processo conhecido em Angola como "15+2", manifestou-se hoje
"altamente surpreso" ao ser cumprimentado, no Supremo Tribunal
Militar, pelo ex-chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM),
general "Zé Maria".
António José Maria começou a ser julgado, no dia 11 deste mês, pelos crimes
de insubordinação e extravio de documentos, aparelhos ou objetos contendo
informações de caráter militar, mais concretamente sobre a Batalha
do Cuito Cuanavale, que ocorreu na província angolana do Cuando Cubango,
em 1988.
Luaty Beirão, que foi detido, em 2015, por se ter reunido, em Luanda,
para discutir política e alternativas para o país e foi julgado e condenado, a
28 de março de 2016, com outros 16 ativistas acusados de
tentativa de golpe de Estado contra o ex-Presidente, José Eduardo dos Santos,
esteve hoje, pela primeira vez, a assistir ao julgamento do general "Zé
Maria".
No final da sessão de hoje, marcada pela audição de três declarantes, ao
sair da sala, o arguido dirigiu-se a Luaty Beirão, cumprimentando-o
com um aperto de mão e sublinhando que tinha sido amigo do seu pai.
"Então, senhor Luaty, o senhor está bom? Eu fui muito amigo do
seu pai", disse o arguido, apertando a mão ao ativista, ao que Luaty Beirão
respondeu não ter valido de muito.
Em resposta, António José Maria usou de uma passagem bíblica, referindo
que: "o que a mão esquerda faz, a mão direita não sabe".
"Fiquei altamente surpreso, cumprimentou-me como se me tivesse visto
crescer, já não é a primeira pessoa que representou o Estado que diz: eu
conheci o teu pai [João Beirão, dirigente do MPLA e ex-diretor-geral
da Fundação Eduardo dos Santos], fui muito próximo do teu pai, para criar uma
espécie de simpatia ou de proximidade", disse Luaty Beirão em
declarações à agência Lusa.
"Achei que foi bastante ousado, diria, mas também não respondo com
rispidez, acho que tivemos ali uma conversa muito baseada em ironia, quis usar
citações da Bíblia: 'o que uma mão faz, a outra não deve saber, o que a mão
esquerda faz a direita não deve saber'", descreveu, reforçando:
"fiquei surpreso, não esperava".
O ativista luso-angolano e músico foi assistir ao julgamento
essencialmente "por curiosidade", não guardando qualquer sentimento
de rancor, mas sublinhou estar a assistir a uma inversão de posições.
"Estamos todos na expetativa de estar a viver novos tempos
e, obviamente, como cidadão me preocupa o estado da justiça. Não vou poder
acompanhar todas as sessões, mas gostava de ficar com uma ideia de como as
coisas estão a ser conduzidas", disse.
"Também pelo facto de ser altamente irónico, de a pessoa que nos
'cozinhou' todo este caso, que nos catapultou para todo este holofote (...) ser
hoje a pessoa que ocupa o nosso lugar", acrescentou.
Numa apreciação ao que assistiu hoje, o ativista citou como um
mau sinal o facto de o juiz estar a manusear o telefone durante a sessão.
"Há coisas que a gente vê dentro da sala, que não passam assim muito
boa impressão, como, por exemplo, o facto de estar a ser manuseado o telefone
por parte do juiz presidente. Não é um bom sinal", referiu.
Para o ativista, é preciso que as regras sejam aplicadas para todos,
mas sobretudo que haja o exercício da justiça, sem interferência, como existia
no passado.
"Não há um sentimento de 'revanche'. Obviamente que a gente acha que
todas essas pessoas que cozinharam coisas, que fizeram de forma ilegal, que
praticaram crimes merecem ser penalizados por isso", salientou.
"Estou mais preocupado, em que a gente crie um país em que as coisas
funcionem, em que as regras sejam para todos. Não é ser mais poderoso e
descobrir vírgulas para que se consigam safar e para os mais pequeninos até já
se pede pena de morte", frisou.
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