Projecto Biocom dá cartas na responsabilidade social


A jornada começa muito cedo. Às seis da manhã já se regista intenso movimento no refeitório do alojamento construído de raiz. Os carros saem antes das sete, altura em que  acontece, pontualmente, a mudança de turnos dentro da gigantesca fábrica situada no troço entre Cacuso e Capanda.


No pátio da Biocom, maior projecto privado de Angola fora do sector petrolífero, tudo funciona de modo sincronizado com base em regras de cumprimento rigoroso.Ao princípio da tarde homens e mulheres, trajados incondicionalmente com camisas verdes, usam o refeitório onde é servido a todos o mesmo cardápio. Impossível distinguir categorias profissionais. Ao fim da jornada laboral alguns deles ainda acumulam energias para, de modo voluntário, ajudarem a materializar os compromissos da empresa no âmbito da responsabilidade social. 

Acompanhar os meandros do processo de produção de açúcar desde o plantio da cana à transformação desta em pó granulado fica para ocasião posterior. A equipa de reportagem do Jornal de Angola regressa ao município de Cacuso, a 64 quilómetros da sede provincial de Malange. Numa nave minúscula, comparativamente à mega estrutura da Biocom, a empresa desenvolve o projecto “Tualeto Kumoxi”. Em quimbundo, “sempre juntos”. No espaço arrendado pela companhia funciona também a escola Palanca Negra onde decorrem as aulas de alfabetização que contabilizam 240 alunos matriculados no presente ano lectivo. Congrega os espaços de judo e jiu-jitsu, com mais de 150 alunos. Na capoeira estão inscritos 80crianças e adolescentes. Cabe a três mestres, um dos quais de nacionalidade brasileira, orientar os potenciais desportistas.


Perto do fim do corredor, encontramos a pequena fábrica artesanal de sabão neutro, principal ganha-pão de20 mulheres. Rebeca André, de 19 anos de idade, lidera a equipa. Confirma se todas têm as máscaras e luvas bem colocadas. A jovem mãe de um rapaz de dois anos faz uma pausa na produção para dar as explicações. Depois ela e as colegas juntam óleo de cozinha usado, soda e água morna nos respectivosrecipientes. Exalam um forte odor. “Temos que usar sempre máscaras”, justifica. Mexem vigorosamente com um pau maçarico durante trinta minutos. Por último,despejam a massa num tabuleiro. Está pronto. Dentro de quinze dias sairão daqui 48 barras de sabão vendidas no mercado ao preço de cem kwanzas cada uma. No fim do mês, repartem os lucros.


Na primeira fase do empreendimento, iniciado em Junho do ano passado, a Biocom assistia as beneficiárias. Antonica Koque, uma filha da terra que viveu 17 dos seus 45 anos de idade em Portugal, serve de cicerone. A funcionária dafábrica acompanha regularmente as trabalhadoras que já estão em condições de comprar os produtos que servem de matéria-prima.


Antonica orienta-as em relação à feitura de cálculos gerais, repartição de lucros e outras questões correntes.


À noite, ela ainda lá está. Conhece todas as participantes no curso de alfabetização. Interage com os miúdos das escolas.Acompanha os movimentos graciosos das crianças envolvidas na capoeira. Têm um vigor insuspeito para os corpos franzinos. No salão, Paula, de 14 anos, medalhada em vários campeonatos, fascina os presentes. Com quatro movimentos leva ao tapete o parceiro de treino. A miúda tem garra, afirmaJoão Bernardo dos Santos. É assistente social afecto àárea de Pessoas e Organizações da Biocom. Psicólogo social, pós-graduado na especialidade em França, discorre sobre “a empresa socialmente comprometida”.

"Projecto Formar"

    
Estar matriculado e ter boas notas é o primeiro requisito para que uma criança frequente qualquer das escolas citadas. “Estou a desenvolver uma actividade que consiste em visitar as crianças nas escolas. O acompanhamento visa estimular os miúdos a estudar”, explica João dos Santos. Têm acesso às aulas filhos de trabalhadores com idades entre os quatroe os 16 anos e outros das redondezas, desde que se apliquem nos estudos.


“Dentro do seu programa empresarial,há um braço social que realiza várias acções dentro da empresa e nas comunidades da região”. João realça o “Projecto Formar” iniciado há quatro anos. Anualmente, cerca de 150 pessoas terminam com êxito a formação. Vocacionado para aeducação de adultos, surgiu da necessidade interna de recrutar localmente pessoal preparado. 


“Estamos a falar de uma fábrica modernizada. Quem trabalha nela deve agregar certas capacidades”, precisa João dos Santos. Assim, estabeleceram umacordo com a escola Dom Bosco, do Cuanza Norte, “onde os nossos professores fizeram formação”. Adoptaram, então,o método Dom Bosco, mediante o qual é possível estudar duas classes no espaço de um ano. 


A escola abriu portas aos membros das comunidades.As aulas são ministradas por quatro professores e um coordenador. Oaperfeiçoamento da capacidade de aprendizagem através da leitura e da escrita concorre para acelerar mudanças positivas. “São melhorias significativas. A maior parte dos moradores daqui conseguiu o primeiro emprego na Biocom. Fizemos corredores junto da Administração municipal com vista a registar alguns adultos e crianças que não tinham documentos”, salienta João Bernardo. A alfabetização acelerou também transformações ao nível do comportamento, pois, “além de aulas, temos realizado palestras educacionais sobre saúde e ambiente que contribuem para melhorar a convivência entre trabalhadores”.


O psicólogo realça a singularidade de a Biocom empregar várias pessoas da mesma família. Por exemplo, Antonica Koque é colega de dois dos seus filhos recrutados depois dela. Ter trabalhadores de uma família na empresa significa igualmente o aumento do rendimento. Existe, por outro lado, “um certo comprometimento, diria até um espírito de pertença, em relação ao empregador. As pessoas sentem-se motivadas a empenhar-se no trabalho, porque daí vêm os rendimentos”. 


A Biocom emprega cidadãos de todas as províncias de Angola. Essa mobilidade, até certo ponto, está a contribuir para o crescimento de Cacuso, município relativamente pequeno. “Se a esposa de um integrante for cabeleira, terá a tendência de montar um salão aqui. Se a de outro for pasteleira, teremos uma pastelaria. Ao trazerem os filhos, as escolas ganham novos alunos”, acrescenta João Bernardo. O facto de jovens finalistas do Ensino Superior provenientes de Luanda terem encontrado o primeiro emprego na fábrica “incentiva a Administração municipala criar projectos para cativar esses cidadãos a se manterem na localidade”. Em suma, encaixa a realidade naideia de que “desenvolvimento gera desenvolvimento”.







Fonte: Jornal de Angola
Imagem: Reprodução

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