Conluio entre as Justiças portuguesa e angolana?
Adriano Parreira apresentou, na PGR portuguesa, uma
queixa-crime na qual denuncia o "lamaçal entre as justiças angolana e
portuguesa". Analistas ouvidos pela DW dizem que queixa tem fundamento e
pedem investigação.
Em fevereiro, o académico angolano, Adriano Parreira,
deu a conhecer, através de uma entrevista à agência noticiosa portuguesa Lusa,
que apresentou uma queixa-crime junto da Procuradoria-Geral da República de
Portugal, na qual denuncia o "lamaçal entre as Justiças angolana e
portuguesa". A apresentação da queixa seguiu-se a um artigo publicado em
janeiro no portal "Maka Angola", no qual são apontados vários casos
de corrupção que envolvem membros dos sistemas judiciais de ambos os países.
Adriano
Parreira, que entre 1994 e 1997, foi embaixador extraordinário junto das Nações
Unidas em Genebra, e de organizações internacionais sediadas na Suíça,
justificou a decisão - como outras queixas que interpôs anteriormente - por
considerar que o texto publicado pelo portal "Maka Angola" apresenta
"a prova que fundamenta as imensas suspeitas de comportamentos
inusitados", envolvendo membros dos sistemas judiciais angolano e
português. Adriano Parreira disse ainda ter apresentado a queixa após a análise
de várias mensagens de correio eletrónico.
Até
agora, a Procuradoria-Geral da República de Portugal não confirmou nem
desmentiu se vai abrir algum processo de investigação na sequência da
queixa-crime apresentada.
No
entanto, Rui Verde, investigador visitante e académico do Centro de Estudos
Africanos da Universidade de Oxford, considera que a queixa tem fundamento por
reunir vários elementos que podem indiciar uma promiscuidade pouco habitual
entre advogados e entidades angolanas sob investigação e membros do Ministério
Público português. Para Rui Verde, "há demasiados almoços, demasiadas
amizades, demasiadas trocas de doces para se tratar de algo perfeitamente
normal. Portanto, fundamentos para investigação há", assevera.
Segundo
o também professor de Direito, o que está em causa, a acontecer uma
investigação, seria a atuação do antigo procurador geral português, Fernando
Pinto Monteiro, que visitou Angola durante o seu mandato (2006-2012)
acompanhado de vários procuradores da Justiça portuguesa, visita essa apontada
como um dos casos que terá suscitado desconfiança a Adriano Parreira.
Na entrevista à Lusa, o diplomata angolano fez alusão ao uso de linguagem codificada, referindo-se à oferta de um "contentor de paracuca - [doce tradicional angolano feito com amendoim e açúcar]" - a um dos procuradores que acompanharam Pinto Monteiro nessa visita. Aos olhos de Rui Verde, isso "colocaria em causa a estrutura do Ministério Público português em determinado período histórico", que aliás, acrescenta, "coincide com o período histórico em que José Sócrates foi primeiro-ministro. A ideia que há é que ninguém quer voltar a mexer muito nesses assuntos", diz.
Paulo
de Morais, presidente da Frente Cívica, considera que a promiscuidade entre as
Justiças dos dois países não é de longa data, e aponta episódios recentes, como
o caso do ex-vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, acusado em Portugal por
dois crimes graves, e cujo processo foi transferido para Luanda, não tendo sido
ainda julgado.
"Por
pressão do Estado angolano, do atual Presidente, por pressão até de políticos
portugueses, desde o Presidente da República ao primeiro-ministro e à ministra
da Justiça de Portugal, o caso foi transferido para Angola, não por intervenção
da antiga Procuradora-Geral da República, mas pela intervenção do Tribunal da
Relação de Lisboa. Ou seja, houve aqui uma subserviência da Justiça portuguesa
à Justiça angolana por pressão do poder político português. E o facto é que,
tendo o processo transitado para Angola, Manuel Vicente beneficia, neste
momento, de uma amnistia e, portanto, pura e simplesmente não é julgado",
aponta Morais.
Adriano Parreira diz esperar que estes casos sejam devidamente analisados e investigados, tendo em consideração as recentes alterações de postura promovidas dentro dos orgãos superiores de Justiça em Angola, assim como em Portugal, que tem uma nova Procuradora-Geral da República, Lucília Gago.
No entanto, o analista Rui Verde, duvida que isto aconteça: "Depois do traumatismo que a investigação a Orlando Figueira criou na Justiça portuguesa, nas relações portuguesas com Angola, tenho muitas dúvidas que a atual Procuradoria-Geral da República portuguesa avance com uma investigação. Os impactos políticos serão demasiado grandes para permitirem uma investigação objetiva". Ainda para mais quando a investigação "envolve altos magistrados do passado que lideraram o próprio Ministério Público", acrescenta.
À
DW, o analista português disse ainda que, na sua opinião, é importante a
recente visita da ministra da Justiça de Portugal, Francisca Van Dunem, a
Angola, como garantia da estabilização nas relações políticas entre os dois
países.
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