Uma nova história do negro brasileiro
Uma nova 
história 
do negro 
brasileiro, Quando iam à escola, os pais e os avós dos jovens estudantes de hoje tinham o 13 de Maio como principal data comemorativa da história do negro no Brasil.
As mesmas lembranças devem ter muitos dos atuais professores da Educação Básica que, quando crianças, na ausência da internet, iam à biblioteca mais próxima procurar informações sobre o evento a que a data se refere: a Abolição da Escravatura.
A escravidão negra foi instituída pelos portugueses em meados do século XVI e perdurou após a Independência do Brasil.
Politicamente, sua abolição resultou de campanha na década de 1880 envolvendo intelectuais negros, mestiços e brancos, além da resistência dos próprios escravos, que fugiam das fazendas para os quilombos.
No contexto de um Segundo Reinado enfraquecido, as pressões levaram a princesa Isabel a assinar, em 13 de maio de 1888, o decreto que oficialmente acabou com a escravidão no Brasil, fato festejado pelos negros em muitos lugares do País.
A comemoração da abolição acontece até hoje em vários terreiros de Umbanda que atribuem a essa data o dia do “Preto Velho”, entidade dessa religião que simboliza a sabedoria.
Todavia, a luta abolicionista e o protagonismo dos negros não foram enfatizados na história e na escola.
A narrativa oficial foi explicitada já em 1899, no manual de leitura escolar de João Vieira de Almeida intitulado Pátria. Nele é reconhecido o papel de negros como Luís Gama e José do Patrocínio, mas, para o autor, a força dos senhores de escravos impediria a libertação, de modo que a abolição teria então vindo da ação da filha de dom Pedro II.
“Se não fosse a coragem, que revelou a princesa imperial, na ocasião da assinatura do decreto libertador, ainda aí estaria a instituição maldita. A raça negra, portanto, no Brasil, tem a rigorosa obrigação de venerar a memória da humanitária senhora que, com o sacrifício do seu trono, quebrou os grilhões que encadeavam uma raça infeliz (…) digam, portanto, o que quiserem: a abolição da escravidão, no Brasil, é devida, se não exclusivamente, ao menos em grande parte, a Isabel, a Redentora.”
Essa é uma forma de narrar a história do Brasil que perdura até hoje: as conquistas sociais não são produto do enfrentamento e da resistência, mas da dádiva dos governantes bondosos e corajosos que se afastam das elites em favor do povo.
Representados como santos, os dirigentes do Estado são creditados pelo protagonismo da história, como se sem eles as principais conquistas não pudessem ter sido alcançadas. É com base nisso que Vieira de Almeida diz que a princesa Isabel não só assinou uma lei, mas que fez por si a Abolição.
Com a intenção de resgatar o protagonismo na história do País, o movimento negro militante passou a buscar símbolos, personagens e datas históricas alternativas.
A iniciativa mais aceita veio do poeta gaúcho Oliveira Silveira, em 1971. Para ele, a abolição não significara liberdade porque não modificou a dominação e a desigualdade. Aponta, assim, para uma ruptura com a narrativa tradicional como parte da luta pela justiça social.
Combatendo a versão oficial do 13 de Maio e a tese da democracia racial no Brasil divulgada pelos governos militares, não demorou para ele encontrar no Quilombo dos Palmares o símbolo que tanto procurava.
Formado provavelmente em fins do século XVI e localizado no interior dos atuais estados de Alagoas e Pernambuco, Palmares constituiu-se de povoamentos fortificados habitados principalmente por ex-escravos negros, além de índios e brancos fugitivos da sociedade colonial.
Apesar da diversidade, os povoamentos eram organizados política e militarmente nos moldes das sociedades guerreiras de Angola, que usavam a palavra quilombo para designar campos militares.
A autonomia de Palmares era vista como uma ameaça pelos holandeses, que invadiram Pernambuco entre 1630 e 1654 e pelos senhores de engenho e governadores portugueses durante todo o século XVII. Ambos organizaram expedições para destruir os quilombos, recapturar escravos e interromper os ataques às fazendas.
A figura de Zumbi ganhou destaque após uma tentativa de acordo feita em 1678 entre o então líder Ganga-Zumba e o governador de Pernambuco Pedro de Almeida.
Nele estabeleceu-se que a liberdade seria concedida aos habitantes de Palmares se estes deixassem suas terras férteis e se mudassem para um local conhecido como Cocaú, tornando-se vassalos do rei de Portugal.
A mudança não foi aceita, e, depois da morte do tio por envenenamento, Zumbi retornou a Palmares com os descontentes.
Na condição de líder, recusou as ofertas e retomou as antigas estratégias de ataque às fazendas e de contenção das investidas portuguesas.
A resistência durou até 1694, quando o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, contratado pelo governo pernambucano, venceu os guerreiros de Palmares e penetrou no principal povoado, o Macaco. Zumbi fugiu, mas foi morto por outro bandeirante, Furtado de Mendonça, em 20 de novembro de 1695.
Essa trajetória fez historiadores marxistas do século XX analisarem Zumbi como símbolo da resistência do negro e Palmares como um lugar de convivência multiétnica no meio do sistema colonial desigual e opressor.
Tal era a perspectiva de um importante livro sobre o assunto, publicado em 1947 pelo estudioso baiano Edson Carneiro, que serviu de referência para o poeta Oliveira Silveira.
Na ausência de marcos sobre a fundação do quilombo, em 1971 Silveira idealizou o 20 de novembro como Dia da Consciência Negra. Propôs a data a seus colegas gaúchos e o nome de Palmares ao grupo que se reunia em Porto Alegre, formando uma das várias entidades negras contra o racismo que surgiriam naquela década.
Quando foi criado no congresso de 1978, o Movimento Negro Unificado encampou a data, e a partir daí militou para que ela fosse comemorada oficialmente. O Rio Grande do Sul foi o primeiro estado a instituir o feriado, em 1987, seguido por Alagoas (1995), Rio de Janeiro e Mato Grosso (2002) e Amapá (2007), além de mais de 700 municípios.
Apesar não ser feriado nacional, a data foi incluída no calendário escolar pela lei que obriga o ensino de História e Cultura Afro-brasileira , sendo transformada em data comemorativa pela Lei nº 12.519/2011, que estabelece o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Além de ser tema de músicas, filmes e livros, Zumbi teve seu nome inscrito, em 20 de novembro de 1996, nas páginas de aço do Livro dos Heróis da Pátria, em Brasília.
A transição do 13 de maio para o 20 de novembro mostra como a narrativa do passado nunca é neutra e, transportada da história para as lutas políticas, frequentemente ganha atributos míticos.
Não por acaso a versão heroica de Zumbi tem sido questionada por pesquisas que apontam o caráter hierárquico da sociedade de Palmares, inclusive com a existência de escravidão, e o papel de Ganga- Zumba, seu antecessor, vem sendo revisto de traidor para estadista.
Mas pode haver um lado positivo dos mitos políticos: mostrar tensões sociais não resolvidas no presente. Se o Zumbi do panteão é menos uma representação fiel do líder de Palmares que uma construção do movimento negro inspirada no marxismo, ele aponta para as desigualdades raciais existentes, cujas raízes se encontram no processo histórico que possibilitou o surgimento dos quilombos na América.
Afinal, enquanto as manifestações religiosas de matriz africana forem perseguidas e os negros, sub-representados na política e na mídia, preteridos nos altos escalões do mercado e da academia e mantidos na condição de maior camada social na pobreza (e seus jovens intocados como o grupo com maior risco de ser assassinado pela polícia), a memória do 20 de novembro terá sentido.
A superação do drama racial no Brasil apenas se fará com uma luta intransigente contra qualquer forma explícita ou velada de discriminação e mediante uma representação da negritude com a qual os as crianças e os jovens possam se identificar., https://www.plumangola.com/2018/05/uma-nova-%e2%80%a8historia-%e2%80%a8do-negro-%e2%80%a8brasileiro/, Staline Satola
As mesmas lembranças devem ter muitos dos atuais professores da Educação Básica que, quando crianças, na ausência da internet, iam à biblioteca mais próxima procurar informações sobre o evento a que a data se refere: a Abolição da Escravatura.
A escravidão negra foi instituída pelos portugueses em meados do século XVI e perdurou após a Independência do Brasil.
Politicamente, sua abolição resultou de campanha na década de 1880 envolvendo intelectuais negros, mestiços e brancos, além da resistência dos próprios escravos, que fugiam das fazendas para os quilombos.
No contexto de um Segundo Reinado enfraquecido, as pressões levaram a princesa Isabel a assinar, em 13 de maio de 1888, o decreto que oficialmente acabou com a escravidão no Brasil, fato festejado pelos negros em muitos lugares do País.
A comemoração da abolição acontece até hoje em vários terreiros de Umbanda que atribuem a essa data o dia do “Preto Velho”, entidade dessa religião que simboliza a sabedoria.
Todavia, a luta abolicionista e o protagonismo dos negros não foram enfatizados na história e na escola.
A narrativa oficial foi explicitada já em 1899, no manual de leitura escolar de João Vieira de Almeida intitulado Pátria. Nele é reconhecido o papel de negros como Luís Gama e José do Patrocínio, mas, para o autor, a força dos senhores de escravos impediria a libertação, de modo que a abolição teria então vindo da ação da filha de dom Pedro II.
“Se não fosse a coragem, que revelou a princesa imperial, na ocasião da assinatura do decreto libertador, ainda aí estaria a instituição maldita. A raça negra, portanto, no Brasil, tem a rigorosa obrigação de venerar a memória da humanitária senhora que, com o sacrifício do seu trono, quebrou os grilhões que encadeavam uma raça infeliz (…) digam, portanto, o que quiserem: a abolição da escravidão, no Brasil, é devida, se não exclusivamente, ao menos em grande parte, a Isabel, a Redentora.”
Essa é uma forma de narrar a história do Brasil que perdura até hoje: as conquistas sociais não são produto do enfrentamento e da resistência, mas da dádiva dos governantes bondosos e corajosos que se afastam das elites em favor do povo.
Representados como santos, os dirigentes do Estado são creditados pelo protagonismo da história, como se sem eles as principais conquistas não pudessem ter sido alcançadas. É com base nisso que Vieira de Almeida diz que a princesa Isabel não só assinou uma lei, mas que fez por si a Abolição.
Com a intenção de resgatar o protagonismo na história do País, o movimento negro militante passou a buscar símbolos, personagens e datas históricas alternativas.
A iniciativa mais aceita veio do poeta gaúcho Oliveira Silveira, em 1971. Para ele, a abolição não significara liberdade porque não modificou a dominação e a desigualdade. Aponta, assim, para uma ruptura com a narrativa tradicional como parte da luta pela justiça social.
Combatendo a versão oficial do 13 de Maio e a tese da democracia racial no Brasil divulgada pelos governos militares, não demorou para ele encontrar no Quilombo dos Palmares o símbolo que tanto procurava.
Formado provavelmente em fins do século XVI e localizado no interior dos atuais estados de Alagoas e Pernambuco, Palmares constituiu-se de povoamentos fortificados habitados principalmente por ex-escravos negros, além de índios e brancos fugitivos da sociedade colonial.
Apesar da diversidade, os povoamentos eram organizados política e militarmente nos moldes das sociedades guerreiras de Angola, que usavam a palavra quilombo para designar campos militares.
A autonomia de Palmares era vista como uma ameaça pelos holandeses, que invadiram Pernambuco entre 1630 e 1654 e pelos senhores de engenho e governadores portugueses durante todo o século XVII. Ambos organizaram expedições para destruir os quilombos, recapturar escravos e interromper os ataques às fazendas.
A figura de Zumbi ganhou destaque após uma tentativa de acordo feita em 1678 entre o então líder Ganga-Zumba e o governador de Pernambuco Pedro de Almeida.
Nele estabeleceu-se que a liberdade seria concedida aos habitantes de Palmares se estes deixassem suas terras férteis e se mudassem para um local conhecido como Cocaú, tornando-se vassalos do rei de Portugal.
A mudança não foi aceita, e, depois da morte do tio por envenenamento, Zumbi retornou a Palmares com os descontentes.
Na condição de líder, recusou as ofertas e retomou as antigas estratégias de ataque às fazendas e de contenção das investidas portuguesas.
A resistência durou até 1694, quando o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, contratado pelo governo pernambucano, venceu os guerreiros de Palmares e penetrou no principal povoado, o Macaco. Zumbi fugiu, mas foi morto por outro bandeirante, Furtado de Mendonça, em 20 de novembro de 1695.
Essa trajetória fez historiadores marxistas do século XX analisarem Zumbi como símbolo da resistência do negro e Palmares como um lugar de convivência multiétnica no meio do sistema colonial desigual e opressor.
Tal era a perspectiva de um importante livro sobre o assunto, publicado em 1947 pelo estudioso baiano Edson Carneiro, que serviu de referência para o poeta Oliveira Silveira.
Na ausência de marcos sobre a fundação do quilombo, em 1971 Silveira idealizou o 20 de novembro como Dia da Consciência Negra. Propôs a data a seus colegas gaúchos e o nome de Palmares ao grupo que se reunia em Porto Alegre, formando uma das várias entidades negras contra o racismo que surgiriam naquela década.
Quando foi criado no congresso de 1978, o Movimento Negro Unificado encampou a data, e a partir daí militou para que ela fosse comemorada oficialmente. O Rio Grande do Sul foi o primeiro estado a instituir o feriado, em 1987, seguido por Alagoas (1995), Rio de Janeiro e Mato Grosso (2002) e Amapá (2007), além de mais de 700 municípios.
Apesar não ser feriado nacional, a data foi incluída no calendário escolar pela lei que obriga o ensino de História e Cultura Afro-brasileira , sendo transformada em data comemorativa pela Lei nº 12.519/2011, que estabelece o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Além de ser tema de músicas, filmes e livros, Zumbi teve seu nome inscrito, em 20 de novembro de 1996, nas páginas de aço do Livro dos Heróis da Pátria, em Brasília.
A transição do 13 de maio para o 20 de novembro mostra como a narrativa do passado nunca é neutra e, transportada da história para as lutas políticas, frequentemente ganha atributos míticos.
Não por acaso a versão heroica de Zumbi tem sido questionada por pesquisas que apontam o caráter hierárquico da sociedade de Palmares, inclusive com a existência de escravidão, e o papel de Ganga- Zumba, seu antecessor, vem sendo revisto de traidor para estadista.
Mas pode haver um lado positivo dos mitos políticos: mostrar tensões sociais não resolvidas no presente. Se o Zumbi do panteão é menos uma representação fiel do líder de Palmares que uma construção do movimento negro inspirada no marxismo, ele aponta para as desigualdades raciais existentes, cujas raízes se encontram no processo histórico que possibilitou o surgimento dos quilombos na América.
Afinal, enquanto as manifestações religiosas de matriz africana forem perseguidas e os negros, sub-representados na política e na mídia, preteridos nos altos escalões do mercado e da academia e mantidos na condição de maior camada social na pobreza (e seus jovens intocados como o grupo com maior risco de ser assassinado pela polícia), a memória do 20 de novembro terá sentido.
A superação do drama racial no Brasil apenas se fará com uma luta intransigente contra qualquer forma explícita ou velada de discriminação e mediante uma representação da negritude com a qual os as crianças e os jovens possam se identificar., https://www.plumangola.com/2018/05/uma-nova-%e2%80%a8historia-%e2%80%a8do-negro-%e2%80%a8brasileiro/, Staline Satola

Sem comentários: