“VIve-se do imediatismo, com ostentação barata", Miguel Neto no seu Nível
Com quase 30 anos de carreira, Miguel Neto elogia as novas rádios, mas critica que “qualquer um que saia de casa se torne locutor”. O criador do ‘slogan’ ‘Nível’ entende que os debates das rádios e televisões “só nos distraem” e não concorda que a cultura angolana esteja politizada.
Além da rádio, trabalha numa petrolífera. Concilia?
Concilio-as sem prejuízo. Quando se tem saúde devemos esforçar-nos mais.
O programa da LAC está no ar há mais de 20 anos. Qual é o segredo?
Talvez seja a informação musical actualizada que é misturada com a interacção pública. As pessoas gostam da minha forma de o apresentar, porque sou muito original. Gosto de incentivar os jovens a ler e os kotas a escrever.
Já teve problemas com a rubrica ‘Plágiomoto’?
Ninguém gosta de ser desmascarado publicamente e só isso faz com que seja mal compreendido. O Gomez foi o artista que mais se chateou comigo. O Yannick Ngombo chegou a dizer que quase me mandou dar uma surra. Aí notei que, afinal, a coisa é mesmo séria, pois cada artista ‘promovido’ no ‘Plágiomoto’ é depois ostracizado pelos fãs. Compreendo a indignação, mas a culpa nunca é minha, é de quem não assume a criatividade alheia.
Quem faz versões de outros tem menos valor?
Não é esse o objecto sócio-pedagógico do ‘Plágiomoto’. Não se trata de versões, mas de uma apropriação secreta em que o ‘reprodutor’ omite a autoria. Para quem usa um elemento alheio e o regista no seu disco, é óbvio que o ‘Plágiomoto’ ‘lhe cai’ em cima. Os nossos artistas não se importam com as regras.
Já se sentiu marginalizado por vestir calções?
Marginalizado, nunca. Sei onde e quando devo vestir calções. Mas o Jomo Fortunato tomou a liberdade de me vilipendiar no programa do ‘Pato’, ao dizer que me comportava como criança, por me vestir de calções. Ora, quando é que ‘trapar’ um calção ‘blue jeans’ até abaixo do joelho é desprestigiar-me ou ser criança? Cada um sabe o que vestir, desde que não atente contra a moral. A diferença é que ele tem cultura portuguesa e eu nasci com a mente anglo-saxónica (risos). As pessoas devem olhar mais para o que fazemos na sociedade e deixarem de se preocupar com futilidades como essas. Não gosto de andar de fato. Mas, se for obrigado ao rigor, o Jomo nunca me poderá aguentar (risos).
Que avaliação faz dos debates nas rádios, televisões e jornais?
Estes debates em nada contribuem, porque se fala muito e as coisas continuam a piorar tanto que, hoje, até o pão já é notícia. Desde os anos 1990 que observo os significativos recuos sociais e não havia debates. Hoje, dá até a impressão que os debates servem apenas para nos distrair. A fome, a deficiente educação e a incapacidade intelectual são ainda um ‘calcanhar d’Aquiles’.
Já considerou que, na música angolana, não existem estrelas e criticou a falta de humildade…
Refiro-me mais às celebridades por ausência de um ‘jet set’ com nível. Tenho percorrido outras sociedades e sinto que as coisas são completamente diferentes. Mas há que se respeitar a carreira de Bonga Kwenda que continua a manter a angolanidade por onde passa e de outros artistas que já começam a dar passos nesse sentido. Quanto à falta de humildade, são outros quinhentos. Vive-se do imediatismo, com ostentação barata. Por pouco, já pensamos que somos bué.
Imagina o RC a ser apresentado por um outro locutor?
Já uma vez alguém tentou e deu-se mal. Era o meu colega e amigo Nicolau Frederico que, em 1996, substituiu-me durante três semanas. O público não gostou da maneira calma e pediu que se retirasse. Ele continuou com a batata-quente por mais duas semanas. Tenho uma maneira ‘sui-generis’ de fazer rádio e tv. Os meus programas não aceitam outros locutores ou apresentadores.
Na LAC, não recebe salário. Suporta o RC pelo seu bolso?
Afirmativo. Na LAC é uma espécie de ‘troca de serviço vitalício’. Quando cheguei, ainda não havia rappers em Luanda. Big Nelo e Paul G nem sequer cantavam. Eram ainda dançarinos de ‘break dance’. Vi como todo esse ‘game’ começou em Luanda. Na TPA, é bem diferente, porque sou remunerado, mas os equipamentos – microfone e câmara – que sustentaram o programa ‘Alto Nível’, foram adquiridos por mim. As viagens nacionais e internacionais eram pagas por mim, ou com a ajuda ao meu alcance. Invisto em mim e nunca espero por falsas promessas. Há pessoas más aqui na banda.
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Fonte(s) AngoNotícias
Imagem Revista Angolana
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